Intercambistas do Projeto Guri retornam ao Brasil após seis meses


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Eduardo, Ananda, Jassá e Aydan: intercambistas do Guri

Quatro jovens participaram do primeiro intercâmbio do Projeto Guri em parceria com o Musicians and Organizers Volunteer Exchange – MOVE. Henofrancy Aquino e Aydan Madureira Schmidt passaram o primeiro semestre de 2016 na Noruega, período em que os colegas Eduardo Scaramuzza e Ananda Miranda estiveram no Malawi. De volta ao Brasil, eles compartilharam suas vivências internacionais.

Nos dois países, além de uma intensa rotina de estudos, os intercambistas desenvolveram projetos próprios, além de participarem de atividades musicais, sociais e culturais, como workshops, festivais, competições e capacitações. Na Noruega, os jovens do Guri ficaram hospedados na Trøndertun, uma das maiores escolas de música do país. Já no Malawi, os estudantes foram recebidos na instituição Music Crossroads, que visa a capacitar jovens por meio de um programa musical inovador e acessível. Antes da jornada, todos eles passaram por um curso preparatório, estágio que concentra na Noruega estudantes de várias áreas e países.

 

“Toda quinta-feira, após o almoço, os alunos tocavam. Tinha bossa nova e samba em um nível técnico impressionante. Precisei morar na Europa para  me interessar pela música brasileira”, contou Aquino, também conhecido como Jassá, que atua como educador do Guri no polo de ensino Dracena.

Para Scaramuzza, o intercâmbio mostrou-se tão bem-sucedido que deve prosseguir. Ele foi convidado a retornar à Noruega em agosto com a missão de estimular os jovens a continuarem o Ta Kagunda Project – programa que busca o ‘empoderamento’ feminino por meio da percussão. Em sua passagem pelo país africano, o jovem descobriu como construir instrumentos de raiz brasileira, como agogô, utilizando materiais e habilidades locais.

Em agosto, será aberto o processo seletivo para o MOVE 2017. Essa será a segunda edição do projeto no Brasil. Em 2015, a Amigos do Guri – organização social que faz a gestão do Projeto Guri no interior e no litoral do Estado de São Paulo – selecionou quatro jovens entre 18 e 25 anos para participarem do programa de intercâmbio Musicians and Organizers Volunteer Exchange (MOVE), criado pela JM Norway, membro da JMI – Jeunesses Musicales International (associação sediada na Bélgica e que reúne diversas organizações musicais em cerca de 70 países), em parceria com a instituição musical Music Crossroads do Malawi e de Moçambique.

 

Nossos intercambistas e as vivências fora de casa:
Henofrancy (Jassá) Aquiles de Almeida Aquino, 26 anos, educador de percussão do polo de ensino de Dracena, ficou em Trondheim, Noruega:

“Todos nós ganhamos roupas para encarar o frio na Noruega, que chegou a 23 graus negativos. No começo, o período com luz do dia durava só três horas e aproveitamos o máximo em um curso de fotografia muito bacana”.

“Organizei um Festival de Bateria, fui professor do instrumento durante quatro semanas e eles adoraram. Criei a Jassa’s Band, pois sempre fui um instrumentista de apoio e aproveitei a oportunidade para criar minha própria banda. Compus um baião em homenagem aos meus pais e fiz a versão de outras músicas”.

“Pronunciar meu nome (Henofrancy) era complicado. Jassá, como sou conhecido aqui no Brasil é mais fácil. Na verdade eles diziam ‘Issá’”.

 

Aydan Madureira Schmidt, 19 anos, aluno do Grupo de Referência de Santos do Projeto Guri, ficou em Trondheim, Noruega:

“Tive a oportunidade de gravar as minhas músicas. Foi maravilhoso, pois aqui no Brasil a hora de estúdio é muito cara. Para isso, escolhi os músicos que quis e fiquei mais surpreso ainda pois vários colegas queriam participar da minha banda. Eles adoraram o meu trabalho. Também dei um workshop de bossa nova”.

“Participar do Festival da Nações foi um momento muito importante. Depois dele, nós fomos convidados para participar de feijoada e churrasco e tivemos contato com muitos brasileiros. Fizemos ensaios abertos até em aniversários. O convívio foi tão bom que tivemos até festa de despedida”.

“No Ladehammer Festival nós fizemos pintura no rosto, chocalho e vários trabalhos diferentes, pois o foco da nossa ação nesse projeto não era só a música”.

“Bateu muita saudade daqui, mas sabia que o intercâmbio mudaria minha vida. E a saudade também serviu de inspiração para compor a música do meu projeto.”

 

Eduardo Henrique Scaramuzza, 23 anos, educador de percussão do Projeto Guri em Campinas (Polo Nelson Mandela), ficou em Lilongwe e Nkhotakota, no Malawi:

“Eles tocam em festas, rituais, mas não se profissionalizam em percussão. Tudo está agregado ao canto, à dança e aos rituais. É tudo muito interativo.”

“Aprendi muito com mestre Duma. Ele começa fazendo uma roda, com umas 50 crianças, puxa umas dez aleatoriamente, toca no ombro, faz contato visual e elas começam a dançar. Ele não dá bronca. Se a criança erra ele a muda de posição, troca duas ou três vezes e dá tudo certo, pois ele conquista a garotada. Outra coisa bacana é que sempre há roda para discutir as dúvidas ou ações e as crianças falam como se fossem professores”.

“Desenvolvi um projeto com a Karoline Asskildt (intercambista norueguesa) para ensinar ritmos brasileiros, mas me dei conta que só tinha um agogô. Então, percebi que eles tinham parceira com a Young in Prision (instituição semelhante a Fundação CASA), que tem uma serralheria e eles construíram um protótipo. Levamos a ideia para a cidade de Nkhotakota e um ferreiro local reproduziu vários instrumentos. Cuidamos da afinação e produzimos outros instrumentos com materiais reciclados. Vendemos quase tudo no festival da cidade e o dinheiro serviu para que a escola comprasse outros materiais”.

“Em Nkhotakota, o projeto cresceu e fizemos um grupo de percussão com meninas de 10 a 14 anos, tudo isso nos três primeiros meses. Com o tempo, fomos percebendo que as meninas não podiam tocar tambor. Então, seguimos em frente, tentando não ferir os costumes, mas mostrando o quanto aquilo era importante”.

“Meu interesse pela fotografia cresceu. Já tinha planos para registrar imagens sobre as brincadeiras e os brinquedos, mas fiz muitas paisagens também. Meu irmão é fotógrafo, me ajudou bastante e foi dele a ideia de fazer a exposição (atualmente, em cartaz em Roraima).”

 

Ananda Roda de Miranda, de 22 anos, ex-aluna de violão do Grupo de Referência de Araçatuba, ficou em Lilongwe, no Malawi:

“No Malawi, a música não está nos livros. Eles têm aula de teoria, mas não associam teoria e prática. Possuem um ouvido muito bom, são ótimos improvisadores.  É uma coisa cultural. Sou musicista de formação erudita, estudo no Conservatório de Tatuí, e com eles aprendi a ter uma independência maior, uma visão diferente. Por exemplo, no Brasil, há certa diferença entre o popular e o erudito. Os músicos populares dizem que os eruditos não saem dos livros e os eruditos dizem que os populares só tocam de ouvido, de maneira informal. Eu aprendi a olhar de outra maneira, a admirar essa liberdade de fazer música”.

As pessoas são receptivas, te abraçam, te envolvem, te incluem. É uma alegria contagiante. Eles cumprimentam até quem eles não conhecem. Tem um tipo de “oi”, um cumprimento chamado ‘bho bho’, que eles não param de falar enquanto a gente não responde. E ainda fazem questão de saber como o outro está. Aqui no Brasil a gente passa reto. É uma coisa a que vou tentar aderir”.

“Ensinei o grupo de meninas a cantar a música ‘Mas que Nada’, do Sérgio Mendes. Elas acharam complicado cantar em português, mas foi legal. Uma menina tocava violino na turma. Era autodidata, pois não há professor do instrumento”.

“Levei meu alaúde e eles acharam bastante engraçado. A música que toco nesse instrumento é totalmente diferente do que eles estão acostumados, mas gostaram e ficaram curiosos. No topo de uma montanha, também gravei um clipe com três noruegueses e várias crianças em volta. Era despretensioso,  mas o resultado artístico ficou bom”.

 

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